segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O LIVRO DA VEZ (SOBRE A BUSCA DO AMOR)

“Há muito, muito tempo, conta Aristófanes, havia deuses no céu e seres humanos na terra. Mas nós, seres humanos, não éramos como somos hoje. Tínhamos duas cabeças, quatro pernas e quatro braços: em outras palavras, éramos a fusão perfeita de duas pessoas, unidas de forma inteiriça em um único ser. Havia três variações sexuais possíveis: fusões macho/fêmea, fusões macho/macho e fusões fêmea/fêmea, dependendo do que combinasse melhor com cada criatura. Como já tínhamos o parceiro perfeito costurado no próprio tecido do nosso ser, éramos todos felizes. Assim, todos nós, criaturas de duas cabeças e oito membros, perfeitamente satisfeitas, percorríamos a terra como os planetas viajam pelo céu: sonhadores, ordeiros, sem sobressaltos. Não sentíamos falta de nada; não tínhamos necessidades desatendidas; não queríamos ninguém. Não havia conflito nem caos. Éramos inteiros.


Mas, em nossa natureza, ficamos excessivamente orgulhosos. E com esse orgulho, deixamos de adorar os deuses. O poderoso Zeus nos puniu pela negligência cortando ao meio todos os seres humanos de duas cabeças, oito membros e total satisfação, criando assim um mundo de criaturas sofredoras e cruelmente separadas, com uma cabeça, dois braços e duas pernas. Nesse momento de amputação em massa, Zeus impôs à humanidade a mais dolorosa condição humana: a sensação surda e constante de que não somos inteiros. Pelo resto da eternidade, os seres humanos nasceriam sentindo que faltava alguma coisa – a metade perdida, que quase amamos mais do que a nós mesmos – e que essa parte que faltava estava por aí, em algum lugar, girando pelo universo na forma de outra pessoa. Também nasceríamos acreditando que, se procurássemos sem parar, talvez um dia encontrássemos aquela metade sumida, aquela outra alma. Pela união com o outro, voltaríamos a completar a nossa forma original e nunca mais sentiríamos a solidão.

Esta é a fantasia singular da intimidade humana: um mais um, de certa forma, algum dia, será igual a um”.

Comprometida – Elizabeth Gilbert

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